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Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) surgiu, no final da década de 90, com o compromisso de lutar, ao lado dos excluídos urbanos, contra a lógica perversa das metrópoles brasileiras: sobram terra e habitações, falta moradia. A especulação imobiliária transforma terra urbana em promessa de lucro e alimenta o processo de degradação humana, o caos urbano. Em que cidade não se encontram apartamentos vazios, prédios abandonados, terrenos na periferia à espera da valorização? Em qual centro urbano não há mendicância, morador de rua, submoradias? As famílias sem-teto não têm direitos, são o avesso da cidadania. Não têm emprego, moradia, alimentação, saúde, lazer, cultura. Vivem como sombras nos semáforos, nas esquinas, nos bancos das praças, atrás de um prato de comida, um trocado. Enfrentam a indiferença, o preconceito, a violência policial. Estão excluídas das decisões políticas que determinam os rumos da vida social.

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Campus - Bandeirante eleitoral de Dilma falha no DF



A família de Cleide Coelho (frente) divide com outras 4 um terreno de 200m2, em 5 barracos em Brazlândia
Lentidão
O DF foi uma das primeiras Unidades da Federação a entrar oficialmente no programa Minha Casa Minha Vida. Em 15 de Junho de 2009 o então governador José Roberto Arruda assinou o termo de adesão com a então ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff. De lá pra cá, pouca coisa aconteceu para viabilizar o programa para famílias com renda de zero a três salários mínimos.
De acordo com o balanço final do programa Minha Casa Minha Vida, divulgado no dia 29 de dezembro de 2010 pela Caixa Econômica Federal, o número de moradias cujos contratos de construção já foram assinados no Distrito Federal chegou a 13.344 unidades. Dados do Ministério das Cidades, anteriores à divulgação do balanço de final de ano da Caixa Econômica Federal, demonstram que, do total de casas contratadas, 40% beneficiam famílias com renda de três a seis salários mínimos e 60% subsidiam famílias com renda de seis a 10 salários mínimos. Apenas cerca de 10% do déficit habitacional no Distrito Federal é composto por famílias nessas duas faixas de renda (vide gráfico).
Indagado sobre a destinação de mais moradias para famílias menos necessitadas, o gerente regional de crédito imobiliário da Caixa Econômica Federal no DF, Celso Eloi, explica que a construção das casas acontece mediante a apresentação de projetos pelos construtores. “No sistema do Minha Casa Minha Vida, o empresário apresenta um projeto, propõe o financiamento e, depois de aprovado, a Caixa autoriza a construção e passa os recursos; e então financiamos as moradias mediante a demanda das pessoas. Nós não compramos terrenos, nem definimos áreas. Isso depende dos construtores e do governo”, explica.
Empresários da construção civil reclamam do alto preço dos terrenos no DF, constantemente valorizados, que inviabilizam a construção das casas no valor exigido pelo governo. “O principal entrave é o preço do terreno, que, para nós, impede construção de casas para famílias de baixa renda (0 a 3 salários mínimos). Sem subsídios do governo, como a doação dos terrenos, o programa não sai porque não compensa para os construtores. Só o valor do terreno, em algumas localidades, já beira o valor total pago pelo governo para a construção das casas”, explica Júlio Peres, vice-presidente do Sindicato da Indústria da Construção Civil do Distrito Federal (Sinduscon).
“Brasília tem os terrenos mais caros do país, e para viabilizar o programa para as famílias mais necessitadas é preciso haver participação efetiva do governo distrital”, concorda Eloi. Ainda de acordo com o gerente, um convênio entre a Caixa Econômica e o Governo do Distrito Federal já foi assinado, mas até agora nenhuma área foi destinada para a construção das casas.
Questionado sobre o problema, o Ministério das Cidades disse, por meio de sua assessoria de Comunicação, que em relação ao governo federal tudo foi realizado conforme o estabelecido na Lei 1197/2009, que regulamenta o programa Minha Casa Minha Vida. Ainda de acordo com o Ministério, os recursos referentes à aplicação do programa Minha Casa Minha Vida no DF já foram repassados à Caixa Econômica, que gere a verba conforme o andamento das contrações.
Procurados pelo Campus antes da troca de governo, o governador Rogério Rosso e a vice-governadora Ivelise Longhi não quiseram se pronunciar sobre o assunto.
“Um problema de gestão”
A aplicação do Minha Casa Minha Vida no Distrito Federal esbarra na ineficiência e nos inúmeros problemas de gestão do Governo do Distrito Federal. “Não é culpa da crise política, isso acontece por má gestão mesmo, algo que vem de muitos anos”, avalia César Pessoa, presidente da Companhia de Desenvolvimento Habitacional do Distrito Federal (CODHAB).
É a CODHAB que gerencia todos os programas habitacionais e a distribuição de lotes por parte do governo do Distrito Federal. As terras de propriedade do Distrito Federal utilizadas em programas habitacionais são transferidas da Terracap para o GDF, que as destina por meio da CODHAB para doação ou utilização em programas habitacionais.
Questionado se a Terracap cedeu terrenos para serem utilizados no programa Minha Casa Minha Vida, o presidente da agência, Dalmo Costa, não soube informar. “A Terracap promove a cessão dos terrenos na medida em que é demandada pelo governo. O GDF não diz para que programa habitacional eles serão utilizados, só pede e nós cedemos. Então não sei te dizer se a Terracap repassou ou não terrenos para o GDF referente ao Minha Casa Minha Vida”.
De acordo com Marise Medeiros, diretora técnica da CODHAB, as terras geridas pela Companhia são liberadas para utilização mediante análises técnicas e apresentação de projetos de ocupação. “Até onde eu sei não há nenhum projeto específico de liberação de terrenos para construção de moradias no programa Minha Casa Minha Vida”, diz.
O presidente da CODHAB explica que os problemas de corrupção na Companhia atrasaram o processo de liberação dos terrenos. “Havia algumas áreas que seriam naturalmente utilizadas para o Minha Casa Minha Vida, mas os lotes foram entregues sem serem legalizados”, afirma. “Quando assumi a presidência há sete meses, deparei com a distribuição de áreas em que não existiam licenciamento. Havia um esquema de venda e distribuição ilegal de lotes dentro da CODHAB que está sendo investigado”.
Corrupção
César Pessoa se refere às investigações do Ministério Público do Distrito Federal em parceria com a Polícia Civil do DF que resultaram nas operações João de Barro e Afheim, em abril e agosto de 2010, respectivamente. A primeira apura fraudes na lista habitacional de lotes destinados a PMs e bombeiros. Na segunda, a suspeita é de que servidores da companhia de habitação do GDF favoreciam cooperativas e associações em um esquema de doação de terras inexistentes.
O sistema de cooperativas habitacionais do DF é um verdadeiro receptáculo de corrupção e favorecimento político. A Lei Distrital 3877/2006, de relatoria da então deputada e depois vice-governadora Ivelise Longhi, determina que 40% de todos os terrenos doados pela CODHAB devem ser destinados às cooperativas habitacionais, outros 40% são destinados a uma lista de espera da Companhia e os demais 20% a idosos e pessoas com deficiência. A lei não prevê, no entanto, nenhum critério para definição de quais cooperativas serão beneficiadas nem como tais cooperativas farão a distribuição dos lotes para seus associados. Em muitos casos, líderes dessas cooperativas vendem os lotes ilegalmente ou distribuem por meio de favorecimento político-eleitoral. Para fazer parte dessas associações é necessário pagar taxa de filiação e mensalidade.
Os esquemas de corrupção não são novidade para Cleide. “Há 10 anos tento ganhar um lote. A gente sabe exatamente como funciona. Tem que pagar por fora, tem que ser chegado de um político. Entra governo e sai governo, nada muda. A gente até conhece quem coordena e quem é beneficiado nesses esquemas”, protesta.
Mas Cleide e as cinco famílias que vivem amontoadas em barracos no mesmo terreno em Brazlândia terão de esperar ainda por um bom tempo. “Cancelamos a entrega de todos os lotes e congelamos as áreas. Estamos trabalhando na regularização desses terrenos e só depois disso podemos pensar em destinação de terrenos para o Minha Casa Minha Vida”, explica César Pessoa.
“Eles querem é dinheiro”
Apesar de muitos empresários reclamarem da falta de incentivos do governo, houve quem resolvesse fazer tudo por conta própria. Nixon Souza Leite, um dos representantes da construtora Infracon, de Goiânia, adquiriu uma área em Santa Maria para construir 3 mil moradias no programa Minha Casa Minha Vida para famílias com renda de 0 a 3 salários mínimos. A construtora já trabalha na construção de casas para baixa renda no programa Minha Casa Minha Vida em Goiás. “Não precisamos de terreno do governo. Compramos a área e estamos dispostos a fazer tudo por conta própria. Mas a burocracia é tanta que não conseguimos a liberação”, reclama.
O processo de liberação da área da empresa que Nixon representa em Santa Maria está travado na Seduma (Secretaria de Desenvolvimento Urbano, Habitação e Meio Ambiente). “Nosso projeto foi pré-aprovado pela Caixa. Está tudo certinho. Por se tratar de baixa renda com interesse social, deveria haver ainda mais pressa, mas eles ficam jogando de um lado para outro, arrumando problemas. Isso acontece porque não estamos pagando propina, eles querem é dinheiro”, denuncia o empresário. “Um dos técnicos da Seduma chegou a me dizer que o que eu queria fazer lá era um conjunto habitacional para favelados. Eles evitam porque se trata de casa para pobres e eles não têm interesse em construir habitação para pobres.”
Cansado de esperar governos e empresários, o MTST (Movimento dos Trabalhos Sem Teto) encontrou na legislação que regulamenta o Minha Casa Minha Vida um modo alternativo de participar do programa. De acordo com a resolução nº 114 do Fundo de Desenvolvimento Social do Ministério das Cidades, entidades representativas, associações e cooperativas podem, mediante a apresentação de um projeto de ocupação habitacional, obter verba diretamente do governo federal para a compra dos terrenos. O programa Minha Casa Minha Vida separa R$ 500 milhões do montante total de recursos para essa modalidade.
Com atas, documentos e relatos assinados em mãos, Edson Francisco da Silva, um dos coordenadores do movimento, reclama da má vontade das autoridades. “Esgotamos todas as instâncias possíveis, habilitamos a entidade, conversamos até com o (então) ministro das Cidades, Márcio Fortes, mas esbarramos na burocracia do GDF. Apresentamos mais de 10 áreas como de interesse para aquisição dos terrenos, mas em todas eles colocaram algum empecilho”, conta.
Um novo tempo?
Para todos os ouvidos pela reportagem, de empresários a autoridades e líderes comunitários, a expectativa é de que o impasse seja resolvido no novo governo que se inicia em janeiro deste ano.
“Vou firmar parceria para fazer o programa realmente ser aplicado aqui, com o financiamento de moradias. O governo federal entra com os recursos de financiamento e o GDF com terrenos e infraestrura”, antecipou o novo governador, Agnelo Queiroz, ao Campus por meio de sua assessoria de Comunicação.
“Agora que estamos organizando a Companhia e finalizando o trabalho de regularização dos terrenos, deixaremos tudo pronto para que o próximo governo possa aplicar o programa Minha Casa Minha Vida no DF com sucesso”, garante César Pessoa.
O empresário Nixon, indignado com a situação, vê no fato de a nova presidente e o governador eleito serem do mesmo partido uma possibilidade de resolução do impasse. “Acho que com o novo governo a coisa muda”. O mesmo pensa o vice-presidente do Sinduscon, Júlio Peres. “Esse governo tem tudo para fazer uma boa política habitacional”, diz.
Menos otimista, Edson da Silva pretende continuar protestando. “Até pode ser que melhore, mas vamos continuar lutando, porque independentemente de quem estiver aí, vamos ter que lutar para conseguir as coisas.”


Edson da Silva, do MTST, veio de São Paulo para articular as famílias na luta por moradia no DF
“Sem briga, sem protesto, não sai”
O título do panfleto que o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto distribuiu em Brazlândia convocando a população local para uma assembleia no dia 19 de dezembro – Minha Casa Minha Vida só sai com luta – evidencia a descrença em relação à capacidade das autoridades de atenderem, sozinhas, às necessidades da população. “Nosso objetivo é mostrar para o povo que, sem briga, sem protesto, o Minha Casa Minha Vida não sai. É assim em todo os estados onde estamos”, explica Edson Francisco da Silva, um dos coordenadores do movimento.
No dia 20 de julho de 2010, o movimento ocupou o prédio do Ministério das Cidades com 400 famílias para pressionar pela aplicação do Minha Casa Minha Vida para famílias de baixa renda. Deixaram o prédio após reunião com o então ministro das Cidades, Márcio Fortes, e representantes da Terracap e da Secretaria de Patrimônio da União, que prometeram buscar solução para o problema.
Criado em 1990, em São Paulo, o movimento está presente em nove estados. “O MTST tem como um dos seus objetivos combater a máquina de produção de miséria nos centros urbanos. A ocupação de terra, trabalho de organização popular, é a principal forma de ação do movimento”, diz o site oficial do movimento na internet.
Há cerca de um ano, Edson da Silva, Zezito Alves da Silva e Eduarda dos Santos deixaram São Paulo, sede nacional do movimento, em direção ao Distrito Federal. “Para nós era importante trazer o movimento para a capital federal, que além de facilitar a luta por demandas de outros estados é um dos lugares com o pior problema habitacional do Brasil”, explica Zezito da Silva.
Com a ajuda do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) e da população local, o MTST acabou fincando sua bandeira em Brazlândia, a 45 km de Brasília. “Primeiro a gente foi para Sobradinho, mas depois fomos chamados para ajudar em uma ocupação de terra em Brazlândia e acabamos ficando por aqui”, conta Edson da Silva. Hoje o movimento já conta com mais de 1,3 mil famílias cadastradas na cidade. A família de Cleide de Coelho, descrita na reportagem, é uma delas. “Esse pessoal luta mesmo, sabe? Eles não cobram taxa, mensalidade e nem prometem nada para a gente. E eles estão certos, nessa vida a gente só consegue as coisas com muita luta mesmo”, diz ela.